Pretendia partir dia 10 de marco, mas os suburbios anunciaram greve, parti dia 11, chegando em Bayonne nao havia mais coneccao para St. Jean naquele dia, logo na estacao do trem encontrei meu pri meiro “anjo da guarda”, como ele nao falava frances, era do Tirol, perguntou-me em alemao sobre a possibilidade de coneccao, como ficamos retidos por essa noite procuramos uma pousada e fomos comer uma pizza.
Dia 12 pegamos o primeiro onibus, às 9 horas. O motorista, notando sermos peregrinos, nao nos cobrou a passagem, que gentileza! Em St. Jean procuramos o escritório do peregrino para receber a credencial, aí fomos informados que no dia anterior chovera torrencialmente. Poucos sabem quanto é importante essa credencial, desde os reis católicos ,Fernando e Isabel, há leis que dao protecao especial ao peregrino, por experincia pessoal posso confirmar isso, as tres vezes que precisei de atendimento médico tive um atendimento excelente e medicacao gratuita. Só ficamos prontos para partir às 11 horas – cometemos o maior erro que se pode fazer, partir tarde!
Caminhamos, caminhamos... parece que nao se chega a lugar nenhum ! Aos poucos escureceu e nada de Roncesvalles. Se nao fosse meu companheiro de Caminho teria desistido, havia momentos =2 0que nao aguentava mais, mas ele foi de uma rigides militar, diria “prussiana”. Ao chegarmos em Roncesvalles era noite, fomos a um hotel, nao podíamos nem pensar em comer, ao deitar tive um terrível calafrio, nao havia cobertas sufientes que me aquecessem. Dias depois soubemos que no nosso itinerário haviam morrido duas pessoas uns dias antes, por se haverem perdido.
Como nosso ritmo era diferente, passamos a só nos encontrar em algum bar para tomarmos um café com leite e um lanche, e finalmente no albergue onde pernoitaríamos. No decorrer do Caminho notei que essa é a forma ideal – só, porem acompanhado, assim se tem melhor oportunidade para rezar e meditar. Rezava um Rosário por dia – para os que nao sao de língua portuguesa preciso explicar que em portugues chamamos de Terco oque os de outras línguas dizem Rosario, mas na verdade, tres Tercos completam um Rosário ( o Rosário sao os quinse mistérios).
Nos primeiros dias do Caminho tive uma das poucas experiencias negativas – um alemao, lá pelos 40, tinha=2 0uma atitude um tanto arrogante, mas, acabamos entabulando conversa num fim de tarde( minha filosofia é que as aparencias podem enganar). mas a sua maneira de comunicar-se com os presentes foi acintosamente desagradável, quando entao , muito convencido de si , mencionou que era membro da “comunidade de Kolping”e perguntou se nós conheciamos essa confraria. Aí entendi tudo, e lhe expliquei que apesar de ter nocao doque se trata, nunca me interessei pelo tema, pois o falecido vigário de minha paróquia, que a meu ver é um santo, inclusive fundara o pensionato de velhos no qual trabalhei muitos nos, tinha horror dessa organizacao e a proibia em sua paróquia. Foi como uma ducha de água fria, o sujeito ficou encabulado.
No dia do meu aniversário, 16 de marco, estava arrasado, os pés parcialmente em carne viva, um enfermeiro no albergue considerou a situacao tao grave que se recusou a fazer um curativo mais eficiete, assim, dia 17 pela manha fui ao médico, esse me atendeu muito bem, auxiliado por uma enfermeira, fizeram curativos e me medicaram, recomendando-me a tomar um onibus a Lorogno e de lá para a Alemanha, pois nesse estado nao poderia continuar.
Em Lorogno me senti fracassado, fizera o trageto daquele dia de onibus. Comprei um par de sapatos mais comodos e, como todos os dias, fui à Missa das 20 horas. Fui à igreja de San Nicolas logo ao lado do albergue, o sermao do padre e a piedade com a qual celebrou a Missa me comoveram tanto, que após a Missa o procurei, contei-lhe como estava triste e arrasado por nao poder continuar a peregrinacao, ele me olhou com carinho e me disse “nós devemos ficar tristes e arrasados quando fazemos coisas erradas, quando prejudicamos nosso próximo, mas Deus nao faz nossa salvacao depender se fizemos ou nao uma peregrinacao”;aí ajoelhei e pedi sua bencao. Ao levantar nao senti mais nenhuma dor, embora as feridas continuassem, e caminhei mais 580 Km. com um único dia de intervalo – domingo de páscoa!
O meu companheiro de partida do Caminho e eu nos distanciavamos cada dia mais, os quarenta anos de diferenca eram decisivos no nosso ritmo. Para minha felicidade pernoitamos no mesmo albergue no dia do meu aniversário, assim o convidei para jantar. No restaurante sentamos com dois colegas de albergue, após o jantar, ao convida-los para um vinho considerando ser meu aniversário, o outro companh eiro, até aí um quase desconhecido, me contou ser também seu aniversário ( com 20 anos de diferenca ), e assim o destino me contemplou com um amigo espanhol, José Luis.
Dia 18, ao tomar o café da manha reencontri JL , é claro que ele viera a pé o trajeto que fizera ontem de onibus, como ele vira o estado dos meus pés no albergue do dia anterior, ficou impressionado que eu continuasse a peregrinacao a pé naquele dia. Explicou-me quanto é importante untar os pés com vasilina todas as manhas e todas as tardes, e passou a compartilhar seu frasco comigo.
Como sou apaixonado por galinhas, tive uma satisfacao imensa ao chegar a Santo Domingo de la Calzada, santo esse que é sempre representado com um casal de galinhas. No pátio do albergue moram as galinhas que se revesam na catedral, isso devido a uma lenda do séc. XIII..Que alegria senti ao ser despertado pelo cantar do galo “sagrado” do albergue! Aliás, esse foi o albergue com a melhor acolhida, o hospitaleiro logo na chegada nos ofereceu uma xícara de chá e se informou como nos sentíamos. Como e ra dia de Sao José nao podia dexar de convidar José Luis a irmos juntos a Missa.
O clima variava mais rápido doque o tempo que nossa roupa precisava para secar. Um calor escaldante se alternava com chuva torrencial e frio terrível. Mas porque se queixar ? Mal podia imaginar que isso é só o comeco, tudo ainda viria a piorar, enfim peregrinacao nao é turismo!
Ao chegarmos a Burgos uma chuva de granizo e um frio de rachar, era Sábado Santo. A tarde tivemos um almoco de confraternizacao com um grupo maravilhoso de catalanos, com os quais caminhamos nos últimos tres dias,após uma refeicao supimpa fomos tomar café no Parador ( hotel mais luxuoso da Espanha), coisa nada de acordo com o “espírito peregrino”. A noite josé lius e eu fomos ao albergue, o dormitório aquecido só tinha uma cama disponível, como eramos dois,e por apoio recíproco, fomos dormir no dormitório nao aquecido, fazia um frio terrível. Domingo de Páscoa Burgos amanheceu branca, havia nevado a noite toda, fomos assuntar por onde sair de Burgos para reto mar o Caminho, nisso encontrei uma francesa muito simpática e da minha idade, embora tambem estivesse preocupada com o mal tempo, estava decidida a continuar a pé . Uma senhora corajosa! Fui com José Luis à rodoviária, ele tomou o onibus para Toledo e eu me informei da possibilidade de fazer só o percurso equivalente a aquele dia de onibus, mas só havia coneccao naquele dia para Leon, nao resisti, comprei a passagem – o espírito é forte, mas a carne é fraca! Na verdade estava arrasado nao só pelo mau tempo, mas pela despedida do meu grupo espanhol, derrepente me senti só e abandonado. Mas ainda tive oportunidade de assistir a Santa Missa da Páscoa celebrada em latim pelo Senhor Bispo e concelebrada por oito padres , foi um espetáculo inebriante!
Aqui preciso explicar que muitos espanhois e portugueses fazem o Caminho em etapas, sempre na semana santa, partem no domingo de ramos onde chegaram no ano anterior, e no domingo de páscoa voltam para suas casas. Pessoalmente nao recomendo esse sistema, pois a primeira semana é a mais difícil, a partir daí o corpo vai entrando no ritmo.
Em Leon fui ao albergue das beneditinas, único albergue onde o dormitório para homens e mulheres era separado, e, muito importante, onde nos convidaram a rezar as completas com as monjas na capela.Ao apresentar minha credencial ao hospitaleiro, e lhe contar que sou alemao do Brasil, contou-me haver naquela noite dois brasileiros hospedados aí, imediatamente meu moral levantou, os procurei e fizemos um lanche juntos, conversamos sobre o Brasil e sua experiencia no Caminho, mas aí me contaram que estavam partindo de Leon.
Demanha tive a satisfacao de conhecer uma espanhola de Madrid. Antes de partirmos ela fez questao de me mostrar os principais pontos culturais de Leon dando a devida explicacao. Ao entrarmos na catedral fiquei boquiaberto! Caminhamos tres dias , aí, por compromissos no trabalho, ela teve que retornar a Madrid. Na minha lembranca ela ficou como a “dama de ferro”. No fim do primeiro dia eu lhe perguntei se estudara em colégio de religiosas, quando me confirmou, disse logo, com certeza com “as damas inglesas”. Ela me olhou muito espantada, e quis saber o que me levava a essa conclusao, que aliás era correta, aí lhe expliquei que minha mulher tambem estudara com essas religiosas, por isso sei que se caracterizam por uma formacao cultural excelente, mas destroem qualquer tipo de sensibilidade ou humor nas educandas.
Nos últimos dias encontrei em vários pontos de descanso um casal de portugueses, e foi com eles que segui por mais alguns dias. Pessoas um tanto retraídas, mas de profundo sentimento de piedade crista, compartilhamos nossas aflicoes e sua amizade me deu forcas nessa etapa bastante difícil entre Concebadon e El Cebreiro. Foram dias de nevascas, granizo e vias bastante íngremes - alternando-se trechos com rochas escorregadias e outros trechos com barro.
A medida que se vai aproximando de Santiago,aprox. nos últimos 200 Km. vai aumentando o fluxo de “peregrinos”, ponho entre aspas porque agora aumenta a incidencia de pessoas que fazem o Caminho ou por esporte ou por modismo, e assim se comportam, é lamenttável a quantidade de lixo na beira do Caminho – principalmente garrafas plásticas e embalagens de papel aluminizado.
No albegue de Palas del Rey que travei conhecimento com meu último “anjo da guarda” – um basco! Indivíduo sério, de pouca conversa, mas de uma atencao e companheirismo incomparáveis.Quanto ao caráter lembrou-me muito minha avó brasileira, pouco falava sobre religiao, mas transmitia uma profunda conviccao de fé. Explicou-me coisas históricas importantes, alertou-me sobre fatos interessantíssimos, e, para minha maior surpresa, compartilhou comigo o lamentável estado dos animais domésticos.
Ao observar o mau trato dos animais senti tanta tristeza que nao consegui mais ir à comunhao, embora fosse regularmente a Missa – me questiono se o mundo nao seria muito melhor sem o ser humano? Nao quero entrar em detalhes quanto ao mau trato dos animais, sei que a maioria das pessoas nao me entenderia. Para aliviar minha conciencia, ao voltar para casa, escrevi uma carta à Secretaria do Meio Ambiente da Galicia, de onde recebi uma resposta bastante atenciosa.
Quero ainda mencionar um fato que me surpreendeu – muitos peregrinos nao católicos, uns de linha atroposófica, outros sob influenc ia de crencas orientais. Mas, ainda mais interessante é a diversidade de nacionalidades, inclusive coreanos. Quanto mais línguas se fala, melhor e mais interessante se torna o intercambio cultural durante esse períoda de peregrinacao.
Finalmente chegamos a Santiago!Que alegria, que sensacao de vitória, 600Km. percorridos a pé.Seriam 800 se nao tivesse tomado o onibus de Burgos a Leon. Após a Missa do Peregrino, na qual, como muitos outros, nao pude conter as lágrimas, meu companheiro desses últimos dias partiu para Finistierra. Talvez numa outra oportunidade ainda faca esse trajeto, mas agora estava realisado e feliz por ter chegado a Santiago de Compostela!
A fé me levou a caminhar!